Anatomia

“Acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto”

Não gosto do cheiro do cigarro, me faz sentir ainda mais podre por dentro. Não gosto de alardes nem de gritarias (insegurança), o silêncio é o único amigo que nunca me traiu. Não gosto da forma como o ódio me domina e me come aos pedaços, isso se chama ‘falta de controle’. Não gosto de perder o chão, apesar de estar habituado a cair da cama em tormentos sem esteio. Desamparo. Não gosto do jeito como gosto: Com um punhal cravado no peito e desilusão vertendo das veias rasgadas. Não sei se aprendi a gostar do que me faz mal. A solidão há tempos vem me desmontando, faltam eus p’ra remontar quando nenhuma parte é inteira.

Aqui, nada é completo.

Sempre organizo meus livros (Colos), cautelosamente, por ordem de importância, e não é a primeira nem a última vez que noto um fora do lugar. No guarda-roupa uma desordem proposital em cor nenhuma, figurinos p’ra filmagem. Lençóis brancos, p’ra sangrar toda noite. No corpo um odor de monotonia. ‘Cansado de me ser’. No rosto uma mancha de vergonha: Atesto minha vileza. Olhos frustrados. Ando de um mau jeito devido à independência. Meu vizinho psicopata abre sua boca imunda, cheia de dentes pretos, p’ra dizer que sou ‘normal’.

Normal?

Plantei um pé de ‘deixa p’ra lá’ que não brotou. Vesti um terno que me esfriou. Andei, capenguei, fiquei parado. Tenho pés grandes, todo sapato que calço me faz parecer palhaço. Tenho mãos pequenas e débeis, simplesmente não seguro sem deixar cair. Não sei ter sem perder: Minha gúliver do mundo só leva pancadas. Meu corpo reconhece a carícia da febre e o afago do frio. E eu continuo sentindo tudo, segurando a ânsia de vômito.

Mundo: Me frustre!

Ainda sei sentir: Violinos não tocam, choram. Os violinistas provocam os choros mais lindos dessa Terra de desencantos. Ventos não sopram, derrubam, levam. O desabrigo é um professor severo. Palavras não confortam, cortam. Sou um poeta sanguinário. Horas são navalhas, tempo é cicatriz. Vida é moléstia. Você pode ser a própria cura, ou a própria morte.

Dizem que egoísta é aquele que sofre pelo fato das pessoas não corresponderem às suas expectativas, bem como ninguém merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta. Estanquei. E mesmo não sabendo lidar, aprendi do que é composta a ferida em minha anatomia.

A vida me presenteou com um relógio fantástico, e eu devia tê-lo guardado, mas o quebrei, assim como se quebra uma promessa. E voltei a ser a platéia de um homem só: Sou um ator de mentira e estou interpretando uma caricatura sorridente p’ra me debulhar em casa mais tarde. Só prefiro não contar o tempo que ainda me resta p’ra lembrar de quem faz falta.

L. Kuchma

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