Nós, velhos de espírito

Nós, velhos de espírito, não sabemos sair de cena. Esperamos sempre ser reconhecidos, que alguém sinta nossa presença, que alguém sinta nossa ausência, que alguém nos sinta. Esperamos ter o nosso nome em uma plaquinha na porta do escritório, com aquele enorme nome de velho de espírito, com aqueles títulos de velhos de corpo. Nós, velhos de espírito, não queremos mudar, queremos tudo como está, achamos o mundo perfeito, feito por um Deus perfeito, de inteligência perfeita. Onisciente, onipresente, onipotente. Nossa vida é regida pelas leis de Newton, pela experiente vó Inércia. Tudo que está em repouso permanecerá em repouso, tudo que está em movimento permanecerá em movimento, e nenhuma força sequer será gerada para causar uma aceleração e deslocar a trajetória um milímetro sequer. Nós, velhos de espírito, seguimos Newton ainda, velho e obsoleto como nós... Os jovens já falam de um alemão herege chamado Einstein; um velho, mas talvez não de espírito. Nós, velhos de espírito, não queremos a opinião alheia, não queremos aceitar a nossa mediocridade, queremos ser velhos de espírito, e queremos que respeitem nossa senilidade de espírito. Não queremos ter liberdade, não queremos grandes revoluções, queremos é que os comunistas sejam queimados nos autos-de-fé. Nós, velhos de espírito, queremos é que nosso espírito permaneça quietinho, no seu canto quentinho de nossa consciência, sem perigos, sem ilusões, protegidos... Não queremos nosso velho espírito atacado por essas inovações, por esses hereges, comunistas, punks, funks, ankhes, dances ou quaisquer de suas nuances; nós, velhos de espírito, queremos uma mental cadeira de balanço que distraída o nosso espírito frágil, pequeno, sombrio, gélido... Queremos calor porque nosso espírito é frio, queremos conforto porque nosso espírito é frágil. Não queremos mudar porque temos medo da dor. Nós, velhos de espírito, temos medo de tudo, temos ciúmes de tudo, queremos tudo do nosso jeito; queremos envelhecer mais ainda nosso espírito. Nós, velhos de espírito, queremos distância da doçura, porque faz mal à nossa Diabetes de espírito; queremos distância das grandes emoções, porque não serão saudáveis à nossa hipertensão de espírito; queremos estabilidade e nenhuma movimentação, porque movimentos podem fazer piorar nossa osteoporose de espírito. Nosso mal de Alzheimer de espírito nos faz esquecer das alegrias, o nosso Mal de Parkinson de espírito nos faz evitar grandes gestos – mesmo de comoção, sentimento, e solidariedade. Nós, velhos de espírito, só esperamos a morte de espírito chegar, sentados em nossa cadeira de balanço de espírito, no crepúsculo de espírito, na solidão de espírito. Queremos a morte de espírito, e talvez, assim, chegar à paz de espírito enfim. 

Comentários

  1. Perspectiva incrível, lentes novas para velhos pontos de vista.

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