47 Minutos


Eu não tinha interesses. Eu não tinha interesses por nada. Não fazia a mínima ideia de como iria escapar. Os outros, ao menos, tinham algum gosto pela vida. Pareciam entender algo que me era inacessível. Talvez eu fosse retardado. Era possível.

- Charles Bukowski.


"Levante-se" - dizia a si mesmo enquanto fazia um esforço sobre humano para abrir os olhos...
Olhos estes que já viram muito: coisas agradáveis das quais jamais se esquecerá e também horrores que jamais serão apagados da memória.
Viver é um peso, respirar um fardo, acordar todos os dias cansa e, não saber se sua luta vai valer mesmo a pena, uma crueldade.
Sua briga para levantar-se da cama continua... Encara as paredes negras de seu quarto e as compara ao negrume de sua mente: tudo é obscuro, tudo é desfocado, tudo é confuso. Pensa no que já "viveu" até o momento, lembra o que fez e do que o fizeram. Pensar dói, pensar é penar. Ainda mais quando se tem uma horda de demônios à solta, armados com todo o tipo de artimanha e armadilha para lhe causar a dor. Aproveitam-se de seu maior aliado, o Detalhismo. Por ele não deixar passar nada despercebido, sempre foi fácil trazer o Inferno à Terra.

Após muito esforço, consegue sentar-se à beira de sua cama. Cheia de roupas amarrotadas em contato direto com o colchão, assim como seu corpo.
A poeira acumulada no quarto já não incomoda mais. O calor não o faz mais suar: muito líquido já foi perdido.
Sua cabeça pesa, seu corpo dói, sua mente o tortura e seus batimentos cardíacos são fracos, lentos, imperceptíveis... Considera-se morto, não por não ter mais vida, mas por não sentir mais vontade de viver. Tudo é ilusório, tudo se mostra enganoso. Só há máscaras por todo lado, inclusive as que fora obrigado a usar.

Há muitas coisas entaladas em sua garganta, pouco a pouco elas o asfixiam e ele sente-se cada vez mais fraco para lutar... Mas sabe que não há nada que possa fazer, "Nossas cicatrizes têm o poder de nos lembrar que o passado foi real", diria o consagrado personagem de Thomas Harris. Não há como se livrar das cicatrizes, mas ao menos usa roupas compridas para não ser obrigado à vê-las.

Levanta-se em busca de um apoio, mas titubeia e quase cai. Reflete sobre tudo enquanto dá seus lentos e difíceis passos. "Preciso mesmo passar por isso?" - pensa consigo mesmo. Não é mais como antes, não há mais brilho em seus olhos, não há mais paixão em seus atos. Do homem que fora um dia, só restaram cacos. Só há cacos nesse chão em que pisa descalço, cada passo é uma dor, cada dor uma lembrança. Acha melhor desistir de tudo logo... Assim como há muito desistira de entender a música com seus pianos e violinos, as pinturas com suas linhas perfeitamente desenhadas e os escritos com seus segredos e interpretações variantes... Um turbilhão de pensamentos em um recipiente sujo, uma eterna insatisfação com tudo:
A água não sacia a sede, o alimento não sustenta, a coragem sucumbe ao medo, o amor não motiva, a vida não tem mais brilho, nem cor, nem razão, nada. É só treva. Não é monocromática, não é cinza, é só um abismo de uma umbra interminável, que o suga cada vez mais rápido para baixo nessa queda infinita.

Tirou um pouco o foco de seus pensamentos, resistiu a mais esse delírio. Percebeu estar deitado de novo, seus olhos já estavam fechados e seu corpo sem forças para lutar. Mas como sempre, vai passar. Só precisa dormir, sem a preocupação de acordar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Egoísmo e o Auto Isolamento

O Menestrel