Sombra
Eu não existo.
Ou simplesmente não sinto isso.
Tudo passa,
tudo acaba, tudo tem um ponto final. O inevitável sempre está presente.
O tempo
passa, a vida murcha, os olhos perdem o brilho e os músculos atrofiam.
E o que eu
faço quanto a isso? O que eu fiz durante todo esse tempo?
Uma ligação
perdida, um sorriso contido, uma carta não enviada, um olhar evitado, uma
palavra entalada, um ato desencorajado, uma derrota aceita, uma vida
desperdiçada...
Me afastando
de quem está por perto, me tornando inacessível a quem está distante.
Quando foi
que comecei a ser assim? Quando foi que a vida se tornou tão morta?
Nada é como
antes, nada será como foi um dia. A aceitação é sempre uma Virgem de Nuremberg,
onde cada fato é como uma espada que atravessa minha carne e resulta em uma
hemorragia cruel e profunda. Já não tenho mais sangue para perder, mas não
consigo parar de sangrar.
Me escondo
do mundo, me escondo dos que me procuram, me privo de sentir os raios de sol no
rosto e tampouco tenho sensibilidade para admirar a lua. Minha pele
extremamente branca contrasta com o rubro enegrecido do líquido que escorre de
minhas feridas enquanto de minha boca saem palavras sem sentido, sem cor, sem
conteúdo. Apenas palavras vazias e excessivas, lançadas contra o muro que criei
na esperança de que voltem e tapem esses furos.
Não me sinto
vazio, mas também não sinto que estou farto. É tudo neutro, fixo, imóvel,
previsível.
Começo mil
projetos, mas me contento se chego ao menos na metade de um. Escrevo dezenas de
textos, mas censuro meus pensamentos. Desenho rostos conhecidos, que se tornam
estranhos depois que saem de minhas mãos. Minha alma grita, mas não quero mais
ouvir. Meu espírito chora, mas não quero mais sentir. Meu corpo morre aos
poucos, mas não me importo se já fui vivo um dia.
Meus devaneios
se tornam mais constantes, minhas quimeras e monstros voltam para me assombrar,
meu passado anula meu presente e meu futuro é uma nuvem negra e tempestuosa.
Não sei mais se sinto, não sei mais o que sinto. É como se tudo fosse uma
névoa, que a mais fraca e imperceptível brisa possa fazer desaparecer diante de
meus olhos. Não encontro mais sentido, perdi a vontade de encontrar, não me
importo.
Paro e penso,
às vezes, em como seria se importar: imagino a perda de um ente querido,
desenho em meus murais a dor de derrotas que nunca tive, profano um deus que
nunca foi ausente, ou presente, ou existente, ou inexistente. O cansaço e a
vontade de dormir são as únicas coisas que me acompanham diariamente. Acordo
pensando em quando poderei me desligar de tudo de novo. Um egoísmo, um luxo ao
qual estou me habituando. Sinto estar me tornando ausente, uma vaga lembrança
da presença que tive um dia.
A dor é ao
mesmo tempo um bálsamo: viciante. O amor é ao mesmo tempo uma luta: cansativo.
A coragem é ao mesmo tempo uma punição: cruel. O que é conquistado não tem mais
graça. O que é perdido não faz mais falta. O que é vivido não tem mais valor. E
o que eu sou, não é mais nada.
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